A Ousadia de Leopold - by Chef Tiago Feio
Um restaurante ainda fora dos highlights das redes sociais e das revistas da área, que pauta pelo anonimato e pela opção de se deixarem meio escondidos ali ao lado do Castelo de São Jorge onde de uma forma muito intimista e despretensiosa, talvez até familiar, sentam à sua mesa 22 pessoas e "oferecem" uma experiencia gastronómica que não só surpreende como é rara...
É sobre esta mise en place que é servido todo o menu, composto por 10 momentos. A pequena tabua vai servindo de base para os 3 primeiros pratos, os quais podemos chamar de entradas.
Tudo começa com uma humilde salada de tomate, onde a intenção é mesmo saborear toda a sua riqueza de sabores sem qualquer adição de temperos, o tempero esse é dado por uns ramos de salicórnia. O mesmo se passa com o mix de cenouras cozinhadas ao vapor e posteriormente assadas e servidas sob uma base de coco que confere uma combinação de sabores interessante, sendo que a própria casca das cenouras acrescenta um toque rústico importante.
tomate
cenoura, coco
Para finalizar estes 3 primeiros pratos introdutórios que se vão acompanhando de um belo espumante da Bairrada, chega-nos à mesa um cesto de pão de mistura, com uma manteiga de ovelha e uma bowl de algas do mar e alcaparras que já à mesa são envolvidas com mostarda dijon. Um momento peculiar em que é o próprio cliente que finaliza a confeção do prato. Há aqui uma junção de sabores a mar, frescura e acidez que juntamente com a manteiga de ovelha de consistência muito fluffy e sabor delicado fazem deste um prato com maior criatividade e identidade própria. Talvez a única coisa a melhorar seria a quantidade da bowl de algas que fica um pouco aquém do pão que é servido...
Importa referir que optámos pelo wine pairing, que por si só conseguiu também ser uma experiência "à parte" e não só complementar, como acrescentar valor a uma experiência que se tornou duplamente satisfatória. A seleção e serviço de vinhos fica a cargo do Olavo Silva Rosa, que faz uma seleção de vinhos biológicos de pequenas produções mas que se revelam gigantes na boca!
pão, manteiga de ovelha, algas
A introdução está feita, o ambiente está criado e já nos sentimos um pouco mais à vontade. Foi à mesa do chefe que disfrutámos desta experiência, uma mesa comunitária que pode acomodar até 8 pessoas e que tem o privilégio de ter o chefe a apresentar cada um dos pratos do menu. À primeira impressão pode parecer estranho sentarmo-nos à mesa com estranhos, mas na realidade existe espaço tanto para a privacidade como para a partilha social, qualquer que seja a predisposição de quem se senta.
É com um novo vinho que se acompanha o prato seguinte, um branco de Leiria, terra pouco conhecida pela vindima, mas que se revelou mais uma bela surpresa e um belo acompanhante para aquele que foi para mim um dos pratos vencedor desta degustação.
gema de ovo, cebola, beldroegas
Não só por me ter remetido de forma automática à minha infância (quando comia gemadas), mas por todo o jogo de sabores, texturas e uma combinação de ingredientes perfeita. O caldo de cebola caramelizada tem a doçura e a acidez, o ovo sente-se doce e cremoso, com uma cozedura soft, suficiente para que a gema não se dissolva por complet, o trigo sarraceno dá-lhe o crocante e tostado. O conjunto fica completo com as beldroegas, a cor verde e o elemento fresco herbáceo que faltava.
Este segundo momento introdutório finaliza com um encharéu dos açores, apenas marinado em saké. Um momento de maior frescura e simplicidade em que o peixe de sabor leve e textura chewy, salpicado com umas folhas de manjericão deixa-nos de palato limpo e fresco.
encharéu
Seguiu-se a carne e para acompanhar nada melhor que um bom vinho branco!!, será? sim, aqui procura-se ir contra a regra, a carne vem primeiro que o peixe e ao invés de se acompanhar de um tinto, é o branco (Matías i Torres, de La Palma, Canárias) que toma o seu lugar, pois o tinto (Humus, de Óbidos) virá com o peixe.
O novilho dos açores é cozinhado em sous vide que não é mais do que confecionar sob vácuo, a carne neste caso é colocada dentro de um plástico selado a vácuo, que é submerso em água e deixado a cozinhar durante algumas horas. O resultado final é uma carne suculenta, tenra, cheia de sabor e sem necessidade de grandes temperos, é acompanhada de um molho de alho sob o qual caem umas salicórnias. Uma homenagem ao bom novilho dos Açores e que nos deixa a querer só mais um pedacinho...
novilho
O segundo principal veio do mar, o chefe Tiago Feio voltou a vir à mesa para apresentar mais um dos seus ilustres, desta vez o Peixe Galo, cozido também em vacuo. O peixe revela-se muito suave e cremoso, a pele é braseada com um maçarico o que lhe confere uma uma textura crocante, a acrescentar há ainda umas ovas do próprio peixe. Um prato muito agadável e desafiante ao palato.
peixe-galo
Entramos agora na fase final, a sobremesa é composta por 3 momentos distintos que são acompanhados de um Carcavelos que fecha o wine pairing de forma gloriosa, com todos os seus aromas a marmelo, revelando-se doce e amanteigado na boca.
Começando pela cereja, servida sob a forma de um creme, polvilhado com "terra" de buletos (cogumelos) e beterraba e ainda umas folhas de manjericão. É saborosa, mas não surpreende muito!
cerejas, buletos, beterraba
E eis que nos chega o momento mais surpreendente de toda esta degustação, uma banana da madeira! Cozinhada até ficar molinha e ainda mais adocicada, sob a qual é colocada uma bolacha de especiarias (erva doce, cravinho, curcuma, cominhos e canela). Aqui já encontrei uma combinação de ingredientes mais surpreendente que origina sabores mais fora do normal e aos quais estamos menos habituados.
banana, especiarias
É exatamente em busca destes sabores mais surpreendentes, preparados e apresentados de forma inovadora, que resultam da criatividade que existe na cozinha e na mente dos Chefs que nos predispomos a pagar um pouco mais e a viver uma experiência gastronómica que se prolonga durante 2 horas à mesa, às vezes até mais.
Aproveito assim o fecho da refeição para também concluir aquilo que achei do Leopold. Seguindo um pouco a linha do que disse no inicio deste texto, penso que se percebe bem o conceito e que estamos perante um restaurante que de uma forma destemida, tem uma abordagem completaemetnte diferente.
A experiência é sem duvida alguma enriquecedora e merecedora de ser recomendada, no entanto não posso deixar de notar que talvez um maior cuidado no empratamento ou apresentação de alguns pratos (novilho e peixe-galo) pudesse ser benéfico.
Vê-se claramente que há a intenção de utilizar poucos ingredientes na cozinha e de deixar que seja apenas um o elemento principal de cada prato. Talvez porque estamos a falar de um restaurante com apenas 4 pessoas responsáveis por garantir todo serviço (2 na cozinha e 2 na sala) que claramente tem que ser ajustado a essa realidade.
caixa (uvas e rainhas cláudias)
E é com uma caixa surpresa que terminamos. Mais uma vez a simplicidade de apresentar produtos únicos, de muita qualidade, aos quais infelizmente vamos tendo cada vez menos acesso no dia-a-dia.
A refeição não poderia ficar finalizada sem o café, à boa maneira portuguesa. Na casa Leopold como me apraz mais chamar-lhe, é preparado ao momento e é café de filtro, mais um momento peculiar e engraçado de um restaurante que abre as suas portas sem preconceitos.
De cozinha aberta, sem grandes decorações e adereços somos levados ao sabor da comida e dos vinhos numa atmosfera muito simpática e envolvente Há um claro saber receber e uma vontade de satisfazer os convidados e deixar neles a memória de um jantar...
PREÇO MÉDIO REFEIÇÃO: 77€ (Menu - 42 + Wine Pairng - 35)
Pátio Dom Fradique, 12, 1100-261 Lisboa
21 886 16 97
https://www.facebook.com/restaurante.leopold/